quarta-feira, 20 de março de 2013

Coro das Pedras


Nós pedras
Quando alguém nos ergue
Ergue tempos primevos - 
Quando alguém nos ergue
Ergue o Jardim do Éden - 
Quando alguém nos ergue
Ergue o reconhecimento de Adão e Eva
E a sedução, que come pó, da Serpente.

Quando alguém nos ergue
Ergue biliões de lembranças na mão
Que não se dissolvem no sangue
Como o anoitecer.
Pois nós somos monumentos mortuários
Que abrangem todo o morrer.

Um surrão cheio de vida vivida somos nós.
Quem nos ergue, ergue as campas endurecidas da Terra.
Ó cabeças de Jacob,
As raízes dos sonhos mantemo-las nós escondidas pra vós,
Deixamos as aéreas escadas dos anjos
Brotar como braços dum canteiro de trepadeiras.

Quando alguém nos toca
Toca um muro de lamentações.
Como o diamante o vosso lamento corta a nossa dureza
Até que ela cai e se faz coração brando - 
Enquanto vós empedernis.
Quando alguém nos toca
Toca as encruzilhadas da meia-noite
Ressoantes de nascimento e morte.

Quando alguém nos atira - 
Atira o Jardim do Éden - 
O vinho das estrelas -
Os olhos dos amantes e toda a traição -

Quando alguém nos atira com ira
Atira leões de corações partidos
E de borboletas de seda.

Cuidado, cuidado
Não atireis com uma pedra em ira - 
A nossa mistura está repassada de espírito.
Endureceu no mistério
Mas pode acordar com um beijo.



Nelly Sachs (trad. Paulo Quintela)